O “cala boca” nunca apagará incêndios, nem salvará vidas
Parece coincidência. Mas a cortina de fumaça cheira a represália. Após uma série de reportagens – conduzidas pelo Mesorregional e outros veículos – expondo os percalços da centralização da Central do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC), reportagens essas que inclusive ecoaram no Casa d’Agronômica e levaram ao próprio governador Jorginho Mello (PL) a ordenar o retorno da central para Blumenau “o mais breve possível”, eis que o comando-geral da corporação dispara um balde de água fria na relação com a imprensa. A ordem? Fechar as comportas dos grupos de WhatsApp que, há anos, serviam como canais vitais de troca de informações e, sobretudo, de aproximação.
O comunicado do Centro de Comunicação Social do CBMSC, emitido nesta sexta-feira (06), anuncia com pompa de “eficiência” que, a partir de hoje, apenas “administradores” (bombeiros militares) poderão enviar mensagens nesses grupos. A justificativa? “Assegurar que as informações sejam transmitidas de forma clara e direta, evitando que as mensagens oficiais se percam em meio a outras conversas.” Prometem relatórios diários automáticos e abertura para “mensagens privadas”.

Ora, a retórica da eficiência soa vazia diante da realidade prática e do histórico. Santa Catarina, e o próprio CBMSC, construíram ao longo de anos uma relação exemplar com a imprensa, assim como exemplar sempre foi o serviço do CBMSC. Grupos como esses nunca foram terra sem lei; eram ferramentas consolidadas, ágeis e, sim, transparentes. Serviam para muito mais do que repassar notas oficiais. Eram espaços de diálogo rápido: um jornalista podia esclarecer uma dúvida pontual sobre uma ocorrência em andamento, confirmar um endereço, entender a complexidade de um resgate – e tudo isso de forma visível a todos os colegas, evitando perguntas repetidas. Era a agilidade a serviço da informação pública precisa.
O que muda agora? A porta se fecha. O coletivo dá lugar ao isolamento. Jornalistas serão forçados a abordar individualmente, no privado, oficiais e praças já sobrecarregados em pleno plantão. Imaginem o cenário: um incêndio de grandes proporções, uma tragédia com múltiplas vítimas. Em vez de uma pergunta no grupo sendo vista e respondida (ou ignorada) de forma transparente por quem está no comando da comunicação, dezenas de repórteres diferentes baterão à porta virtual de um mesmo militar, já imerso na operação. É a receita perfeita para:
- Sobrecarga operacional: O militar de plantão, cuja prioridade deve ser salvar vidas, agora terá seu WhatsApp pessoal ou de serviço bombardeado por solicitações individuais.
- Atraso na informação: A resposta, se houver, será mais lenta. Enquanto um grupo permitia uma resposta única para todos, agora serão necessárias dezenas.
- Desigualdade de acesso: Jornalistas de veículos menores ou menos conhecidos podem ter mais dificuldade em obter respostas rápidas do que aqueles com contatos privilegiados.
- Opacidade: A troca, antes transparente (mesmo que restrita ao grupo), agora ocorre na penumbra das mensagens privadas. Como saber se todos recebem as mesmas informações?
O argumento de “evitar que mensagens se percam” é frágil. Basta moderação e regras claras – como sempre houve, em maior ou menor grau. O que realmente se perde é a proximidade construída, a confiança mútua e a eficiência coletiva que beneficiava, em última instância, a sociedade catarinense, que vê a imprensa como um canal ágil para entender o trabalho heroico de seus bombeiros. E já não temos dúvidas: o próximo passo certamente será a proibição de entrevistas e repasses de informações por chefes-de-socorro que atendem ocorrências, até hoje permitido.
Este não é um ataque à instituição Bombeiro Militar, cujo valor é inestimável. É um alerta sobre um erro crasso de gestão da comunicação pública. Fechar canais abertos após críticas da sociedade que geração indagações jornalísticas é um clássico movimento autoritário, um tiro no pé que só gera desconfiança e dificulta o próprio trabalho da corporação. O histórico positivo de SC mostra que outra relação é possível – e benéfica para todos. Reverter esta decisão equivocada não seria um favor à imprensa, mas uma demonstração de respeito à transparência e à eficiência real que o quase centenário CBMSC tanto diz almejar. O silêncio forçado não apaga incêndios; tão pouco salva vidas, apenas esconde as faíscas que podem levar ao próximo desastre.
Imagem: Reprodução / Mesorregional