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Crianças que dirigem ou são vítimas de acidentes em Blumenau

É aceitável criança na direção de um veículo? A Márcia Pontes descreve em seu artigo os perigos dessa negligência e mostra dados importantes sobre crianças e adolescentes vítimas de acidentes de trânsito, em seu artigo desta terça-feira (3) no Notícias Vale do Itajaí:

 

Você consegue imaginar uma criança com idade até 9 anos dirigindo um veículo e provocando um acidente? Pois foi isso que “aconteceu” nos meses de fevereiro e agosto de 2016 em nossa cidade quando duas crianças assumiram o volante em Blumenau segundo estatísticas oficiais da Guarda Municipal de Trânsito/Seterb. Ao todo foram 323 crianças e adolescentes que se envolveram em acidentes de trânsito só no perímetro urbano de Blumenau entre os anos de 2015 e 2016, seja como condutoras de veículos ou vítimas dos acidentes provocados por adultos. Os números chocam e chamam à atenção para a responsabilidade dos pais e dos adultos que cuidam desses menores ao volante mostrando que quem deveria cuidar deles desde que o mundo é mundo não está conseguindo fazer a sua parte. Ficamos curiosos para saber como esses números vão fechar ao final de 2017.

No ano de 2015 foram 40 acidentes provocados por “condutores” na faixa etária dos 10 aos 17 anos e 41 no ano de 2016. Já quando as crianças e adolescentes com idade até 9 anos se colocaram na condição de vítimas de acidentes provocados pelos adultos foram 31 no ano de 2015 e 38 no ano de 2016. Aqueles da faixa etária entre 10 e 17 anos somaram 84 em 2015 e 87 em 2016.

Quem lida com o trânsito como operador ou pesquisador sabe muito bem o quanto as estatísticas são desatualizadas e os dados desencontrados. Cada órgão ou instituição faz as contagens a partir de variáveis e grupos etários diferentes. Os dados do DATA/SUS, pelo Ministério da Saúde e Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) são os mais completos no que se refere a mortalidade de crianças e adolescentes, pois contabilizam a partir de atestados de óbito as mortes tanto em perímetro urbano quanto nas rodovias estaduais e federais que cortam Blumenau. No entanto, são divulgados com dois anos de atraso.

De 1999 a 2014 morreram: uma criança com menos de 1 ano de vida (em 2010, em acidente de moto); 13 crianças na faixa etária entre 1 e 4 anos; 29 crianças entre 5 e 9 anos; 30 outras entre 10 e 14 anos. Dos 15 aos 19 anos foram 164 mortos, todos esses na cidade de Blumenau.

Os dados do DATASUS também estão desatualizados para as estatísticas nacionais de mortes de crianças e adolescentes. Os grupos etários foram analisados entre vítimas menores de 1 ano; entre 2 e 4 anos; 5 e 9 anos e entre 10 a 14 anos. Pena que são atualizados só até 2015.

O discurso e a realidade

O discurso que se ouve reforça a necessidade de se trabalhar trânsito o ano todo nas ruas e nas escolas, a necessidade de mobilização constante, das aulas de educação para o trânsito desde a creche até a Universidade ou, ainda, a tendência a acreditar que isso fará com que a criança sensibilize os adultos para que, em respeito à ela, passem a ser mais educados, comportados e cidadãos ao volante. Realmente funciona, mas não é com todas as crianças. Aquele pai que a arrasta pelo braço em meio aos carros no final da aula de educação para o trânsito não vai ligar e nem ouvir a criança.

No entanto, na prática cotidiana no trânsito se vê pouca preocupação de muitas famílias e da sociedade para com as crianças e os adolescentes na vida e no trânsito. Na prática, os pequenos continuam sendo transportados fora da cadeirinha, sem cinto de segurança, soltos no colo dos adultos ou até mesmo no colo uns dos outros, em veículos de passeio acima do limite de passageiros.

Quem lembra da criança de 3 anos que faleceu depois de ter sido jogada para fora de um veículo em movimento em Indaial?  E do pai que transportava o filho de 8 anos no banco da frente sentado em cima de uma caixa plástica de ferramentas coberta com uma toalha (também em Indaial).

Quem lembra da criança flagrada sendo transportada de pé com a cabeça para fora do teto solar de um SUV e que foi manchete nacional? E dos constantes flagrantes dos radares portáteis que mostram crianças soltas no banco da frente e até no colo do motorista? E do cachorro no banco da frente que parecia conduzir o veículo?

Em 2015 e 2016 foram 81 crianças e adolescentes com idades entre 10 e 17 que provocaram acidentes quando estavam dirigindo o veículo! Qual a responsabilidade dos pais nesses episódios?  Estavam ensinando os filhos a dirigir, sem responsabilidade e muito antes do tempo?  Foi a primeira vez que essas crianças e adolescentes assumiram o volante? E aquelas crianças que estavam apenas sendo transportadas pelos adultos e esperavam deles cuidados e proteção?

Enquanto os responsáveis pelas crianças não cuidam dela no trânsito, do outro lado também não vemos muito compromisso com a produção de dados que reflitam a realidade que se pretende trabalhar. Não se produz cientificamente sobre a nossa realidade, não se investiga para tentar compreendê-la e isso é importante porque os números nos mostram o que é mais grave e por onde devemos começar.

Muitas vezes, esses dados até existem, mas ficam engavetados, perdidos ou ocultos pela falta de visão dos gestores e operadores do trânsito nas cidades. Alheios ao fato de que sem uma leitura diagnóstica, sem uma análise situacional e sem um planejamento não se faz engenharia, fiscalização e educação para o trânsito como precisamos.

Não adianta se falar em educação para o trânsito nas escolas como disciplina obrigatória ou como tema transversal se os professores não são formados, capacitados e preparados para lidar com a complexidade dos assuntos que envolvem o trânsito, sobretudo na parte técnica. Precisamos formar esses professores.

Não adianta os pais empurrarem para a escola a obrigação de ensinar os filhos a atravessarem a rua e a como se comportarem com segurança e atenção nas vias, porque como toda educação, a educação para o trânsito começa em casa, permeada pelos valores e condutas que nascem na família. A escola só vai complementar a educação, pois o comportamento tem raízes na família também.

No discurso pode parecer bonito dizer que cabe à criança sensibilizar os adultos e até educá-los, de certa forma, para o trânsito, mas desde que o mundo é mundo é o adulto que educa as crianças e deve fazê-lo já de berço. E se quem deve educá-las para a vida e para o trânsito não consegue sequer protegê-las ainda bebês ao ponto de que não se tornem vítimas no trânsito? E aquelas crianças que vêm de famílias desestruturadas, que  sequer recebem o afeto e cuidados básicos dos adultos será que serão ouvidas por eles? De que tipo de crianças e adolescentes estamos falando?  Isso é um sinal de alerta a ser levado em conta. É um peso muito grande a se colocar nos ombros das crianças.

Os números estão aí, refletindo a realidade e o relaxamento dos pais e outros adultos que deveriam cuidar das crianças. O que vamos fazer com eles além de nos sentirmos perplexos? Como você está protegendo os seus filhos, sobrinhos e outras crianças no trânsito. Que escolha fará da próxima vez que for dirigir, caminhar, pedalar e passear com elas? Você que é gestor, com base em que irá definir o tema e as ações daquilo que chama de campanha educativa de trânsito? 

 

Márcia Pontes
Especialista em Trânsito

Representante do Maio Amarelo em Santa Catarina

 

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