Esgoto em Blumenau: décadas de promessas, contrato alongado e agora uma CPI tardia

Desde 2010, Blumenau convive com um contrato de concessão firmado com a BRK Ambiental para operação do sistema de esgotamento sanitário. O contrato, com previsão inicial de 35 anos, previa metas ambiciosas de cobertura, incluindo a universalização dos serviços até 2024, ou seja, 100% de esgoto tratado na cidade. Contudo, ao fim do ano passado, a cobertura do sistema era de apenas 48,2%, segundo dados da Agência Intermunicipal de Regulação (AGIR), muito aquém da meta de 99,29%.
Ao ter ciência do andamento de um novo aditivo, o Mesorregional iniciou em novembro passado uma série de reportagens questionando a lentidão nas obras, a baixa cobertura e a proposta da concessionária de implantar sistemas individuais de coleta (fossas) como medida paliativa. Apontou também a ausência de resposta da BRK e do SAMAE, que se comprometeram a responder perguntas enviadas, mas silenciaram. A única instituição que concedeu entrevista foi a própria AGIR.

Entre as informações levantadas, constava a previsão de construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) na Vila Itoupava, que foi substituída por uma estação elevatória, centralizando o tratamento no bairro Fortaleza. Também foi anunciada a futura desativação da ETE do Garcia, responsável pelo tratamento da região central, inclusive de hospitais. Um relatório da AGIR ainda apontou que cerca de 200 km de redes previstas inicialmente não foram implementadas, configurando uma defasagem relevante no cronograma, o que foi utilizado para justificativa deste último aditivo.
Ainda em 2024, a BRK solicitou um aumento tarifário de 11,22%, alegando necessidade de reequilíbrio do contrato. A AGIR, por sua vez, havia finalizado um processo de revisão prevendo redução de -2,63%. Posteriormente, um novo aditivo contratual foi assinado, autorizando um reajuste total de 15,92% a partir de abril de 2025, sendo 5,2% referentes ao IPCA e 10,72% por reequilíbrio. Esse mesmo aditivo prorrogou o contrato da BRK por mais 10 anos (sendo que já houve outros aditivos no passado), estendendo sua validade até 2064.
Ao longo de todo esse processo, o silêncio do Legislativo foi evidente. Nenhum vereador se manifestou preventivamente contrário à prorrogação ou ao aumento. Nenhum pedido formal de CPI foi protocolado, pouco se falou do assunto, até que tudo já estivesse assinado e em vigor, agora em 2025, ou seja, agora preferem remediar, quando poderiam ter de fato prevenido.
Foi só agora, em maio de 2025, que cinco vereadores assinaram o pedido de abertura da CPI do Esgoto. Além dos dois representantes do Novo (Bruno Win e Diego Nasato), também assinaram Gilson de Souza (União Brasil), Adriano Pereira (PT), ontem (13) e, por último, nesta quarta-feira (14), Jean Volpato (PT). No entanto, Volpato só o fez após ter seu pedido de liminar negado pela Justiça, fato que levanta suspeitas sobre os reais motivos de sua adesão.
Volpato ingressou com uma ação popular na tentativa de barrar o aumento extraordinário de 10,72%, alegando que o reajuste violava os princípios da modicidade tarifária e da legalidade. Contudo, no dia 14 de maio de 2025, o juiz Bernardo Augusto Ern, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Blumenau, indeferiu o pedido de liminar. Em sua decisão, o magistrado reconheceu que o reajuste foi amparado por estudos técnicos da AGIR, debatido em audiência pública e formalizado no 5º Termo Aditivo ao contrato de concessão. Disse ele:
“A revisão da tarifa foi devidamente acompanhada pela competente agência reguladora e justificada em procedimento administrativo próprio, além de debatida em audiência pública especialmente designada para tal fim.”
O juiz ainda ressaltou que os atos administrativos das agências reguladoras têm presunção de legitimidade e que, não havendo indícios concretos de irregularidades, não seria cabível interferência judicial neste momento.
Após a negativa judicial, Volpato assinou o pedido da CPI, permitindo a formalização do requerimento com as cinco assinaturas necessárias. A postura do parlamentar gerou desconforto até entre aliados, pois ficou evidente que sua adesão não se deu por convicção, mas por estratégia. Fontes apontam que o vereador busca projeção para uma eventual candidatura a deputado estadual em 2026 e teria aguardado a decisão judicial para escolher o melhor momento para se posicionar.
Agora, o debate se volta à própria efetividade da CPI. Com parecer jurídico ainda pendente na Procuradoria da Câmara, a comissão precisa definir se vai investigar as obras, o aditivo, os cálculos da AGIR ou os atos da Prefeitura. Uma CPI com foco político, em vez de técnico, pode resultar apenas em disputa por protagonismo.
Além disso, a revisão tarifária foi respaldada por pareceres da AGIR, o que obriga os parlamentares, caso desejem questionar os valores, a confrontarem diretamente a legitimidade dos pareceres da agência reguladora. Estarão os vereadores dispostos a enfrentar também os processos administrativos conduzidos por essa autarquia intermunicipal? Como essa direção é indicada, por exemplo?
A população, que já sente no bolso os impactos da nova tarifa, deve ficar atenta aos rumos dessa CPI. O que se espera é que o Legislativo assuma de fato seu papel fiscalizador, com seriedade, transparência e sem usar um tema tão sério para construir plataformas eleitorais e gerar ainda mais ônus aos cofres públicos com uma comissão que não apresente resultados efetivos.
Foto: Jefferson Santos / Mesorregional