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O que o atropelamento de Mirelo nos ensina

O acidente de trânsito que tirou a vida de Wilson Seiler, conhecido popularmente como Mirelo, acontecido no último sábado (28) tem mobilizado autoridades e a população afim de buscar mais segurança na Rua Amazonas, em Blumenau. Marcia Pontes, colunista do Notícias Vale do Itajaí apresenta uma série de sugestões para que acidentes do gênero sejam evitados no dia a dia. Confira seu artigo:

 

Os últimos dias foram de comoção pela morte do “seu” Mirelo em um atropelamento na rua Amazonas. As imagens do momento do acidente que circulam em vídeo pelas redes sociais chocam pela violência do impacto fazendo, quem sabe, a ficha cair para a fragilidade do corpo humano no momento em que ele se choca com um veículo. Isso fez aumentar a quantidade de postagens e opiniões de todos os tipos acerca de quem poderia estar certo ou errado no momento do acidente, como se de uma hora para outra as pessoas se posicionassem e fizessem declarações com a propriedade que só os peritos em Acidentologia têm. Mas, essa postagem não é para apontar dedos, mas sim, para refletirmos sobre o que podemos aprender com o atropelamento que tirou a vida do “seu Mirelo”.

O caso ganhou mais publicidade e gerou comoção pública porque o sr. Wilson Seiler era uma figura carismática, muito conhecida e respeitada no bairro Garcia. Muitas crianças compraram picolé do mesmo homem bom, generoso, querido, respeitado por todos, que também vendeu picolés aos seus pais quando tinham a mesma idade. Você sabia que desde o primeiro dia de 2017 até o dia 30 de outubro outras 133 pessoas foram atropeladas em Blumenau e algumas vítimas continuam afastadas do trabalho, enfrentando tratamentos dolorosos ou até faleceram semanas ou meses depois? Talvez, o fato ocorrido com o “seu” Mirelo nos dê a oportunidade de refletir também sobre as vítimas anônimas e sobre os cuidados que tanto os pedestres quanto os motoristas devem ter para os deslocamentos seguros.

 

A dinâmica do atropelamento

Em um atropelamento tanto o veículo quanto o pedestre possuem energia cinética, que é a energia que coloca os corpos em movimento. No momento da colisão ocorre a transferência de energia cinética do veículo em movimento para o corpo da vítima, que a absorve aumentando a gravidade das lesões. Quanto maior a velocidade (e essa deveria ser a preocupação principal dos discursos sobre mobilidade), mais energia e lesões mais graves. Os órgãos internos aumentam de peso e podem se romper e se deslocar provocando lesões e hemorragias internas.

Segundo dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET), em uma desaceleração brusca ou colisão a 100km/h o fígado, que tem peso médio de 1,7 quilos passa a pesar 47 quilos. O coração passa de 300 gramas para 8 quilos; o cérebro passa de 1,5 quilos para 42 quilos, mesmo peso e impacto que sofrem os rins. O baço, que pesa apenas 150 gramas passa a pesar 4 quilos. Até em menores velocidades, mesmo aquela vítima de atropelamento que parece não ter sofrido nada pode ter alguma lesão interna gravíssima, ainda mais se for idosa.

 

Um impacto e 3 colisões

Nas colisões e nos atropelamentos a energia cinética projeta o pedestre para cima e para a frente na mesma velocidade em que estava o veículo que o atropelou. São 3 colisões em uma: a colisão do veículo com o corpo; a colisão do corpo com o veículo; e a colisão do corpo com o solo. Tudo é muito rápido, estimado em um décimo de segundo. Nos atropelamentos envolvendo motos os momentos mais críticos são de colisão e queda, com a peculiaridade de que a vítima absorve a maior parte da energia no momento do impacto devido a moto ser um veículo pequeno.

As lesões características de atropelamentos em adultos são as fraturas de membros inferiores com lesões secundárias devido ao arremesso do corpo contra o solo. Devido a fragilidade e ao peso da idade os idosos se machucam muito mais, também sendo maior as ocorrências de mortes. O peso da moto influencia: no caso da moto que colidiu com o corpo do “seu” Mirelo, uma Honda Bros, o peso seco (sem os ocupantes) é de 118 quilos. Considerando que o peso médio do condutor e da carona fossem de 60 quilos, somaria-se mais 120 quilos à energia de impacto contra o corpo do idoso. Se o condutor ou carona da moto for ejetado a queda ao solo corresponde a uma queda maior que duas vezes a sua própria altura.

 

Mais velocidade, mais lesões e mortes

Sempre que o assunto velocidade viesse à tona a primeira coisa que as pessoas deveriam associar não é a indústria da multa, mas os dados de um estudo britânico que mostra que quanto menor a velocidade, menores as lesões e maior a possibilidade de sobrevida. A 32km/h apenas 5% dos pedestres morrem, 65% sofrem lesões e 30% saem ilesos. Já quando o veículo está a 48km/g o percentual de mortes sobe para 48%, 50% sofrem lesões e 5% sobrevivem. A 64km/h 85% dos pedestres morrem e 15% sofrem lesões. A essa velocidade ninguém sai ileso.

E para quem “acha” que mesmo em alta velocidade se pode frear em cima e evitar o acidente porque tem habilidade e experiência para isso, ledo engano: quanto maior a velocidade maior a dificuldade de frenagem e mais espaço será necessário para parar o veículo completamente. Também será maior a possibilidade de colisão de alta energia cinética, de lesões graves e óbitos.  

 

As responsabilidades do pedestre

Diz o Código de Trânsito Brasileiro em seu artigo 69 das Normas de Circulação e Conduta que para atravessar a rua o pedestre tomará precauções de segurança, levando em conta, principalmente: a visibilidade, a distância e a velocidade dos veículos, utilizar sempre as faixas ou passagens a ele destinadas sempre que estas existirem numa distância de até 50 metros dele. O pedestre deve sempre atravessar em linha reta para manter-se menos tempo exposto aos perigos da pista de rolamento, só atravessar no sinal verde para pedestres. Sem correr, com calma e atenção. Não deverão adentrar na pista sem antes se certificar de que podem fazê-lo sem obstruir o trânsito ou se envolver em um acidente.

 

As responsabilidades do motorista

O CTB cobra dos motoristas que a todo o momento dirijam os seus veículos com cuidado, atenção e domínio. Há 20 anos o Código de Trânsito determina as velocidades que devem ser respeitadas, as infrações e multas correspondentes, mas os motoristas continuam abusando: infringem, fazem errado sabendo que está errado, negam as suas responsabilidades e desviam o foco para a indústria da multa.

O CTB determina que os veículos maiores são responsáveis pela segurança dos menores e todos juntos devem zelar pela incolumidade e segurança dos pedestres. Diz que ao passar por cruzamentos e faixas de pedestres os motoristas devem diminuir a velocidade; que devem dirigir com atenção e imobilizar imediatamente o veículo na marcha em que estiverem para evitar o acidente. Onde não tiver faixas de pedestres manda o bom senso e a direção preventiva que o motorista redobre os cuidados, principalmente, onde não há faixas de travessia, bem como próximo a comércios, escolas e nas demais vias.

Que dirija como se tudo fosse dar errado e esteja sempre pronto para evitar o acidente; não acelerar de forma contínua e progressiva; prestar atenção à todos os estímulos do ambiente: a uma criança que se solta do braço da mãe, a um animal que atravessa a frente dos veículos ou a um idoso que já tem a percepção auditiva, visual e a mobilidade comprometida por mais que tente apertar o passo.

 

O que aprendemos com a morte de Mirelo?

Quando eu morava no Garcia (faz alguns anos) também comprei picolés do “seu” Mirelo. Ele não sabia, mas era um professor de nascença. Ensinava marketing e nos mostrava que a simpatia, a humildade, a generosidade era o que alavancava as vendas e nos fazia comprar picolés mesmo sem vontade de saborear um naquele momento.

Quando dizia “Óia o picolé”, às vezes acompanhado da gaitinha de boca, o “seu” Mirelo não oferecia um produto: era a forma carinhosa dele nos cumprimentar e fazia disso a alma do negócio. Comprar o picolé era uma forma de agradecer o cumprimento.

Nos ensinou que devemos tratar as pessoas com respeito, a sermos tolerantes, amigos dos amigos e a viver a vida com a simplicidade de um vendedor de picolés. O “seu” Mirelo ensinou sobre integridade, sobre o valor do trabalho honesto de sol a sol. Ensinou sobre admiração e respeito de tal maneira que não sabia que era tão respeitado e admirado até por quem não o conheceu.

E mesmo depois de ter cumprido a missão e voltado para casa, nos chama à todos, também, para a reflexão acerca do papel de cada um para novas aprendizagens e comportamentos que fazem o trânsito seguro. Nos fez lembrar das 133 pessoas atropeladas desde o início do ano e sobre o quanto isso passa batido no dia a dia depois que a notícia foi ou não publicada. Nos fez repensar até a sinalização de trânsito e sobre a necessidade de faixas de pedestres em muitos lugares onde ainda não tem.

Nos faz refletir sobre o modo como agimos e desempenhamos todos os nossos papéis como usuários e gestores do trânsito. Nos faz atentar para o fato de que a maior parte dos acidentes é durante o dia, com tempo bom, boa visibilidade, sem chuvas, em vias bem sinalizadas, nas retas e não nas curvas. Nos faz questionar sobre a pressa cotidiana de motoristas e pedestres, sobre a distração, a imprudência, a negligência e sobre as vãs certezas tanto de quem julga quanto de quem acredita nas habilidades que tem ou pensa que tem para conduzir o próprio veículo e a própria vida nos espaços urbanos.

Sem saber, “seu” Mirelo, o senhor me ensinou, como pessoa e como profissional da segurança no trânsito, que devemos sempre seguir em frente e não desistir apesar das dificuldades de viver em um país que ocupa o 4º lugar em mortes no trânsito no mundo (mais de 50 mil por ano). Em que mais de meio milhão de pessoas sobrevivem sequeladas, em que a cultura é de transgredir e exige-se dos outros uma educação que não se pratica nas vivências cotidianas.

No que isso modificará as suas práticas, leitor, sobre a maneira como vai se comportar na vida e no trânsito daqui para a frente?

 

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