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Radar portátil (secador de cabelo) só registra infrações de velocidade: de conduta não!

Márcia Pontes, nossa mais nova colunista,  trata hoje a questão de um radar portátil, ou outros equipamentos para medição de velocidade, identificarem uma outra infração de trânsito. Esse flagrante pode ou não pode receber autuação? Confira as explicações de quem é uma referência no assunto:

 

A imagem obtida por radar portátil que flagrou um condutor de Blumenau dirigindo acima da velocidade e com um cãozinho ao seu lado esquerdo rodou o país e o mundo por conta de uma peculiaridade: as condições de iluminação ocultaram o motorista e apareceu apenas o cachorro, como se ele estivesse dirigindo (clique aqui e veja a matéria da Ric TV – Record completa). O condutor cometeu duas infrações: dirigir acima da velocidade permitida em até 20% (art. 280, I) e transportar animal em meio a pernas, braços ou lado esquerdo do motorista, no entanto, por falta de previsão legal, cabe somente a autuação por excesso de velocidade, embora a chefia de fiscalização da Guarda Municipal de Trânsito tenha afirmado em entrevista que o condutor receberá as duas autuações. Situação semelhante já foi flagrada pela fiscalização eletrônica de velocidade em Blumenau, só que de um adulto transportando crianças no banco da frente e sem cinto de segurança. À época, o motorista só não foi autuado com a justificativa de que a infração flagrada na imagem exigia abordagem. Mesmo que fosse sem abordagem, o motorista não poderia ser punido porque as imagens são de um equipamento que só autua infrações de velocidade.

Isso porque a infração foi flagrada por equipamento metrológico, regulamentado pela Resolução 396/11 do Contran, que só autua as infrações por excesso de velocidade, que dependem de uma medida de valor para serem quantificadas. As infrações às regras de circulação e conduta só podem ser autuadas caso sejam flagradas a olho nu pelo agente de trânsito posicionado em local visível ou por câmeras de videomonitoramento, regulamentadas pela Resolução 532 do Contran, que alterou a Resolução 471/2013 e incluiu este tipo de fiscalização também em vias urbanas.

A Resolução 396/11, que trata da fiscalização eletrônica de velocidade, em momento algum menciona quaisquer outros tipos de infrações a serem fiscalizadas que não sejam as de velocidade. Já a Resolução 532/2015, que alterou a resolução 471/2013 do Contran e incluiu o videomonitoramento em vias urbanas, menciona a fiscalização eletrônica das infrações de conduta, aquelas do Capítulo III do CTB – Normas de Circulação e Conduta.

Primeiramente, vamos ao que diz o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito: sempre que flagrar a infração de trânsito o agente deverá autuar, caso contrário, estará prevaricando. Ou seja, estará deixando de fazer aquilo que a lei lhe determina. O agente de trânsito tem fé pública para autuar, o que do ponto de vista legal, lhe confere legitimidade e presunção de veracidade de que aquela infração realmente foi cometida. Por este motivo, é que não adianta fotografar e filmar uma infração e entregar ao agente de trânsito para que ele autue o condutor. É obrigatório que o agente flagre.

O artigo 280 do CTB estipula os requisitos e um protocolo para que o agente lavre o referido auto de infração. No entanto, não é todo tipo de infração que o agente pode lavrar com um só tipo de equipamento em se tratando de fiscalização eletrônica. Ainda que o § 2º do artigo 280 determine que a infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, ela é tácita: estes equipamentos deverão estar previamente regulamentados pelo CONTRAN. Fiscalização eletrônica de velocidade (equipamentos metrológicos) é Resolução 396/11. Infrações de conduta em estradas e rodovias é a Resolução 471/2013 e em vias urbanas é a Resolução 532/2015, por meio de videomonitoramento (equipamento não metrológico). Assim como um equipamento não metrológico não registrará infrações por velocidade, um equipamento metrológico não registrará infrações de conduta do motorista.

A fiscalização eletrônica de infrações é feita por dois tipos de equipamentos: os metrológicos e os não metrológicos. Os equipamentos metrológicos, como o próprio nome diz, medem, mensuram, quantificam alguma coisa, que no caso das lombadas eletrônicas e radares portáteis, fixos, móveis e estáticos é a grandeza velocidade. Equivale a dizer que é o próprio aparelho metrológico, sendo operado ou não por agente da autoridade de trânsito, que flagra e registra automaticamente a infração e dispõe os dados eletronicamente para a autuação. No caso do radar portátil (o famoso secador de cabelo), embora o agente o segure e direcione para o veículo, trata-se de equipamento metrológico, cuja finalidade é fiscalizar a velocidade.

Já o equipamento não metrológico não mede nada, não registra “sozinho” a infração: quem lavra o auto com o auxílio e suporte das imagens é o agente de trânsito (não o equipamento, automaticamente). Por isso, é um equipamento não metrológico.

Oportunamente, transcrevo aqui o texto do Parecer nº 86/2009 do Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) a respeito:

  • Os equipamentos eletrônicos utilizados na fiscalização de trânsito podem ser divididos em metrológicos, ou seja aqueles que fiscalizam infrações capazes de serem mensuráveis, citando por exemplo os etilômetros, radares, decibelímetros, e os equipamentos não metrológicos que detectam infrações de mera constatação, não necessitando de um valor numérico para sua ocorrência […].”

 

O tipo de infração em questão no Parecer é a infração de conduta de transitar pela contramão de direção flagrada por equipamento de fiscalização eletrônica, ao que fundamenta o relator do CETRAN/SC:

  • Considerando que a infração de transitar na contramão de direção não é infração que requer um valor para sua configuração, logo conclui-se que para a sua constatação seria necessário um equipamento não metrológico de fiscalização de trânsito […].

 

Dizem as Resoluções 471/13 e 532/15 sobre a fiscalização eletrônica de infrações que é obrigatório que as infrações por videomonitoramento sejam referentes às Normas Gerais de Circulação e Conduta, estabelecidas no Capítulo III do CTB e tipificadas no Capítulo XV.  A autuação deve ser online, ou seja, além da obrigatoriedade de serem flagradas por um equipamento não metrológico, a autuação deve ser online, em tempo real, ao vivo no ato do cometimento, não podendo ser lavrado auto de infração por imagens gravadas ou arquivadas, além de ser obrigatória a existência de sinalização informando a fiscalização por videomonitoramento no local onde houver a autuação e também no campo “Observações” do auto de infração.

Foto: Reprodução / GMT

No caso do condutor autuado por excesso de velocidade e por transportar animal à sua esquerda, pela legalidade, ele só poderia ser autuado pelas duas infrações se um agente tivesse flagrado a olho nu ou por meio de câmera de videomonitoramento que ele estava transportando o animal à sua esquerda e outro agente tivesse flagrado a infração de velocidade por radar portátil. Um só agente de trânsito não poderia autuar pelas duas infrações porque estava operando o equipamento metrológico que só permite autuar por infrações de velocidade.

No título da reportagem exibida no dia 25 de julho no noticiário Balanço geral Blumenau, pela RIC TV RECORD, o título “Foto de um cachorro dirigindo tirada por um radar espanta Guarda Municipal de Trânsito” já é sugestivo de que o agente só constatou a presença do animal pela fotografia, imagem produzida pelo equipamento metrológico. Isto se confirma diante da declaração do agente na reportagem, quando afirma: “Quando bate a infração a gente confere para saber se apareceu bem a placa e daí tava só o cachorro. Deu um efeito de luz ali que sumiu o motorista. Mas, daí a gente brincou na hora, ó, olha aí o cachorrinho.”

Ou seja, fica comprovado na fala do agente que a infração não foi vista a olho nu na situação, mas sim, só constatada depois de ver a imagem produzida pelo equipamento de fiscalização metrológico, que só permite a autuação por velocidade (Resolução 396/11) e não por infração às normas de circulação e conduta (Resolução 532/15).

Após a repórter ter dito que apesar de engraçada a situação é séria e o motorista tinha levado duas multas, entra na entrevista o chefe de fiscalização da Guarda Municipal de Trânsito confirmando: “uma de velocidade, também de natureza média, pela velocidade de 71km/h e outra de conduzir o veículo transportando animal à sua esquerda.” Pela legislação, não há previsão legal para lavrar auto de infração para esta última infração na situação em que ocorreu a fiscalização.

Equipamentos não metrológicos tratam-se de câmeras, como aquelas de segurança da Polícia Militar, mas que também servem para captar imagens de infrações de trânsito. Neste caso, as câmeras apenas transmitem a imagem captada online, em tempo real, a um agente de trânsito que as opera de uma sala de monitoramento e ele mesmo, o agente, é quem flagra com o auxílio da imagem e lavra o auto de infração.

Há duas diferenças capitais nestes tipos de autuação: equipamento metrológico (regulamentado pela Resolução 396/11 do Contran) só flagra infrações relativas ao excesso de velocidade (art. 218 CTB) ou de velocidade abaixo da permitida (art. 219). Não pode registrar outras infrações de conduta, aquelas que não sejam por excesso de velocidade.  Equipamento não metrológico não registra infrações de velocidade: só as infrações de conduta, aquelas que ferem o Capítulo III do CTB, sobre as Normas de Circulação e Conduta. Este tipo de equipamento é regulamentado pela Resolução 532/2015 do CTB, que alterou a Resolução 471/2013 e incluiu o videomonitoramento em vias urbanas. Por este motivo é que, pela legalidade, o condutor não poderá ser autuado por excesso de velocidade e por transportar o cãozinho do seu lado esquerdo: apenas por excesso de velocidade, já que o equipamento que o flagrou foi um radar portátil. Portanto, equipamento metrológico (que mede e registra só a velocidade).

Este artigo não tem o intuito de constranger os agentes e tampouco “livrar a cara” do motorista que cometeu as infrações, mas sim, de esclarecer e de orientar à luz da legislação de trânsito em vigor no país o que pode e o que não pode em se tratando de fiscalização eletrônica.

Sim, o condutor cometeu as duas infrações, mas ocorre que uma foi por equipamento metrológico e outra que só poderia ter sido flagrada a olho nu pelo agente ou por equipamento não metrológico, neste caso, uma câmera de videomonitoramento.

Espero ter contribuído para a compreensão de um tema sempre tão atual, que afeta diretamente a vida dos usuários do trânsito, mas ainda pouco conhecido: legislação de trânsito, autuações e recursos.

 

Márcia Pontes
Especialista em Trânsito

Representante do Maio Amarelo em Santa Catarina

 

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