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Sobre radares, umbigos e secadores de cabelo

Por Marcia Pontes, colunista do Notícias Vale do Itajaí

Vamos e convenhamos: eita semaninha que começou com o holofote em cima de políticos que mais parecem terem inaugurado uma cruzada contra os radares controladores de velocidade. Seja em âmbito municipal ou estadual o que não faltou foram os Dom Quixote da política jurando acabar com a suposta indústria da multa ao mesmo tempo em que avançam com mais gana contra os seus moinhos de vento. Em meio a isso tudo o campo de batalha virtual das redes sociais fica efervescente: de um lado os que acreditam que isso vai dar certo, de outro, os que aplaudem a iniciativa dos políticos contra os caça-níqueis. Ainda tem um cantinho para os que lamentam tanta falta de conhecimento jurídico da parte de quem deveria conhecer leis para fazer leis. Jogando com a falta de conhecimento da maior parte da população e criando um clima de animosidade em relação às instituições, os autores desses projetos de lei saem atropelando a Constituição, o CTB, as Resoluções do Contran e o próprio bom senso em uma espécie de vale tudo que todo mundo já sabe onde vai terminar.

O assunto já foi tratado e fundamentado exaustivamente: é de competência privativa da União legislar sobre assuntos de trânsito e transporte, como bem está lá no artigo 22 da Constituição Federal. O artigo 30 da Constituição permite legislar em interesse local quando o assunto ainda não foi tratado na esfera federal, e ainda assim, nem tudo que se tenta legislar em trânsito é de competência estadual ou municipal com base no artigo 30. Resolução 196/11 trata de radares e isso é assunto de esfera federal.

Radares são assunto de legislação federal

O autor do projeto de lei blumenauense se apega à Resolução 396/11 do Contran, publicada pelo Conselho Nacional de Trânsito, que por sua vez é vinculado ao Departamento Nacional de Trânsito. Ou seja, de esfera federal. Resolução não é lei, mas tem força de lei porque regulamenta artigos do Código de Trânsito Brasileiro. Por sua vez, os projetos de lei na esfera estadual seguem o mesmo viés e um deles se apoia e fundamenta em resolução do Contran que nem existe mais. Papo reto: não existe projeto de lei ou mesmo lei aprovada politicamente em esfera estadual ou municipal que mude isso. Aceita que dói menos e não vacila mais que já tá ficando feio.

Princípios da impessoalidade, da legalidade e da eficiência

Esses são três dos princípios mais violados quando um político tenta, com base em convicções pessoais, emplacar uma lei que ele quer que todo mundo aceite quando esse mesmo político não aceita que há leis acima dele e de suas propostas que precisam ser respeitadas.

Afirmar que existe uma suposta indústria da multa sem apresentar dados, estudos e evidências de teor jurídico que sustentem o discurso é levar as coisas para o lado pessoal e é aí onde se fere o princípio constitucional da impessoalidade. A lei é abstrata e feita para o bem da coletividade. Se há provas e evidências de uma suposta indústria da multa o caminho não é tentar acabar com os radares, até porque, ainda que aprovada uma lei dessas será derrubada em pouco tempo. É aí onde projetos de lei violentam o princípio da legalidade e o Ministério Público entra para defendê-lo.

O princípio da eficiência é aquele com que a população deveria se preocupar. Quanto tempo vai se perder lutando contra moinhos de vento tentando emplacar inconstitucionalidades em vez de propor, discutir e votar projetos que são de real competência de vereadores?

Resolução 396/11 regulamenta os secadores de cabelo

Os secadores de cabelo, tecnicamente chamados de radares portáteis são mencionados em detalhes, pelo menos, 7 vezes na Resolução 396/11. Os radares estáticos são mencionados mais 7 vezes e os radares móveis outras 5 vezes. Não se pode ler uma Resolução do Contran como se lesse poesia.

Querer não é poder

Dizer apenas que o povo quer acabar com os radares controladores de velocidade é um discurso de viés perigoso: somos cerca de mais de 350 mil habitantes em Blumenau e dá um trabalhão ouvir um por um ou até mesmo uma amostra de alta confiabilidade dessa gente toda. Uma prova de que o poder emana do povo reflete quem ele elege nas urnas, isso é verdade, e há quem diga que todo povo tem o político que merece. Mas, querer não é poder. Há leis que precisam ser respeitadas. Não existe carta branca nesse sentido. Ainda não estamos vivendo na ilha de Thomas Morus ou em Lost.

Incitando a ira da população?

Não parece ser uma boa estratégia jogar a população contra as instituições por conta de convicções pessoais. Leis de trânsito, resoluções, normas são tão complexas que, muitas vezes, até quem tenta legislar sobre elas não tem conhecimento suficiente, agora imaginem entre a população. É muito fácil se criar bolhas de ódio e agressividade entre as pessoas, principalmente em redes sociais. Há que se ter muito cuidado porque isso é muito sério e tem consequências.

Leis de trânsito são complexas, demandam estudo, e isso fica muito claro quando, na tentativa de esclarecer o que dizem as leis, muitos não entendem, fazem confusão, e ainda acabam acusando quem está tentando explicar. Cria-se um ódio gratuito e uma coleção de xingamentos e ofensas porque o entendimento daquele que não entendeu a explicação é de que quem está explicando é contra a opinião dele.

Longe dos holofotes e da efervescência temporária de quando se levanta um assunto que mexe com a vida de todo mundo como é esse assunto dos radares, as coisas vão se ajeitando como deve ser, sempre do ponto de vista legal. No começo a carroça fica barulhenta, mas conforme vai rodando as abóboras ou melancias se ajeitam e volta a ficar silenciosa.

Convicções pessoais não bastam para fazer leis

Vejam só, um assunto tão sério quanto controladores de velocidade em uma cidade como Blumenau, em que vira e mexe os carros capotados, tombados e que colidem contra objetos fixos viram notícia. Ou aqui o povo corre demais ou está com sérios problemas de saúde porque as justificativas são sempre de mal súbito. Se com fiscalização é assim, imaginem tirando o pouco da fiscalização que existe como isso vai ficar! E se ficar, terão sangue nas mãos também.

Tantas instituições envolvidas e nenhuma ouvida para tentar se propor projetos de lei como esses. Nas rodovias a maior parte dos acidentes é causado por excesso de velocidade, em que muitas fotos de radares mostram veículos a mais de 100, 150, 200 km/h. Tirar os radares vai fazer essa gente respeitar a velocidade?

Por que não se ouviu o órgão de trânsito municipal, o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar Rodoviária, a PRF, os setores de emergência, internações e médicos que atendem as vítimas politraumatizadas e os que realizam estudos pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego?

Por que não se ouviu o Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina, os estudiosos do assunto, os advogados especialistas em trânsito e aqueles que trabalham com a constitucionalidade das leis no dia a dia?

Insistir em projetos de lei deste tipo, inclusive que já foram refutados pelo Poder Público e que já se sabe no que vai dar, fica parecendo capricho de criança birrenta que chora e esperneia para não afivelar o cinto de segurança da cadeirinha.

O fim disso tudo todo mundo já sabe

Além do barulhão, dos holofotes, dos debates acirrados em redes sociais que quase sempre se sustentam em convicções pessoais, os aspectos legais vão ficando para trás e sem compreensão porque não querem compreender. E assim pessoas que não se conhecem vão arrumando briga e batendo boca. A população vai sendo jogada contra as instituições numa orquestra desencontrada regida por uma batuta caprichosa. Caso seja aprovado politicamente, constitucional e juridicamente será mais uma tarefa bem sucedida para o Ministério Público. Pink e Cérebro não vão gostar, vão se revoltar, fazer mais discurso e continuar imitando o Cebolinha em busca de mais um plano infalível para “delotar” a Mônica. Apesar de todas as coelhadas no olho.

Tem que ir direto na raiz do problema

Se o problema está na fiscalização abusiva, no guarda que se esconde atrás do muro, do arbusto e das placas aí já se trata de uma questão de procedimento e protocolo de fiscalização. Tem que partir prá cima sim, cobrar, pedir explicações, denunciar, mas acima de tudo apertar os gestores do trânsito para que esse tipo de coisa não seja mais feito.

Se o problema está na suspeita de desvio de finalidade ou malversação do dinheiro público arrecadado com multas, que se municie das provas necessárias e faça denúncia por improbidade administrativa. Tem que mostrar sim para onde foi cada centavo arrecadado com multas na cidade. Mais do que mostram no Portal da Transparência porque lá só têm os dados brutos. Queremos saber de cada moedinha e o que não faltam são leis federais determinando isso.

O que não dá para aceitar é a impessoalidade, é o capricho, a teimosia em não reconhecer as esferas de competência para se legislar em assuntos de trânsito. Fica até feio insistir no que não existe a menor possibilidade.

Se o pleito é justo, se há provas robustas, se tem tanta gente assim revoltada com secador de cabelo, então que se reúna os argumentos e se parta para o Judiciário por meio de uma ação popular. Isso evita brigas, discussões, desgastes desnecessários, faz a verdade ser reconhecida pelo Judiciário e evita que muita gente se afogue em copo d´água. O fato é que em se tratando de segurança no trânsito há muito mais questões envolvidas e o mundo não gira em torno de umbigos e secadores de cabelo. Fiquem em paz, condutores, que tudo vai se ajeitar como deve ser. Só não sejam induzidos a erro para não se arrepender depois. O que não faltam são miragens no deserto da falta de conhecimento.

Márcia Pontes
Especialista em Trânsito

Representante do Maio Amarelo em Santa Catarina

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